Por não ter atuado de forma efetiva para garantir a segurança e integridade de uma mulher de 26 anos que buscou ajuda e obteve direito à medidas protetivas contra o ex-marido, mas ainda assim foi morta a tiros desferidos por ele, o Estado de Mato Grosso foi condenado a pagar uma indenização de danos morais no valor de R$ 50 mil e uma pensão mensal de um salário mínimo para um menor de idade, filho da vítima. A sentença é do juiz Agamenon Alcântara Moreno Júnior, da 3ª Vara Especializada da Fazenda Pública de Cuiabá, que julgou parcialmente procedente a ação de indenização por dano moral proposta pelo garoto, através de sua tutora.
A representante do menor de idade que ficou sem a mãe, pleiteou em nome do garoto, uma indenização de R$ 100 mil por danos morais e pensão mensal a título de dano material. O magistrado acolheu os pedidos, mas fixou o valor do dano moral na metade do valor pleiteado pelo autor. Sobre o valor do dano moral incidirão juros de mora no percentual da caderneta de poupança desde a data do evento danoso, sendo o mesmo corrigido pelo Índice de Preço ao Consumidor (IPCA-E) desde a prolação da sentença até seu efetivo pagamento. Já a pensão mensal terá que ser instituída pelo Estado 30 dias a contar da sentença.
A vítima, Erlaine Liborio Gonçalves, e o namorado dela, Danilo Alexandrino de Souza, foram mortos a tiros na residência da mulher, no município de Pontes e Lacerda, na noite do dia 14 de junho de 2009. Consta na denúncia do Ministério Público Estadual (MPE) pelo duplo homicídio qualificado, o assassino, ex-marido de Erlaine, saiu do município de Lucas de Rio Verde e foi até a cidade onde a ex-mulher estava morando, depois de descobrir que ela estava num novo relacionamento. Consta na denúncia que ele, por motivo fútil, desferiu disparos usando um revólver calibre 38 contra as vítimas atingindo ambos na cabeça, resultando na morte dos dois.
O assassino confesso, que disse ter matado as vítimas por ciúmes, já que não aceitava o término do relacionamento de cinco anos com a Erlaine, com quem teve dois filhos, foi condenado a 30 anos de prisão em regime fechado pelo duplo homicídio, em sessão do tribunal do juri realizado em Pontes e Lacerda, em 12 de abril de 2011. Consta na sentença do júri popular que “a vítima Erlaine foi surpreendida pela ação covarde e cruel do réu que armou-se com um revólver e foi ao local onde a mesma residia juntamente os filhos do casal com a intenção adredemente preparada para matá-la. As conseqüências do crime foram intensas, diante da inefável dor produzida no sentimento dos familiares da vítima, notadamente os dois filhos, solapados de seu convívio, e que inexoravelmente restarão traumatizados pelo resto de seus dias”.
Consta de acordo com a sentença do juri popular que condenou o assassino, “o comportamento da vítima, em nada contribuiu para seu fim trágico; tratava-se de uma mulher honesta, que conviveu com o réu por aproximadamente cinco anos e com ele teve dois filhos. Já vinha sendo ameaçada pelo réu, tanto que há registro de ocorrência policial nos autos, porém, infelizmente, o réu deu cobro às ameaças, tirando-lhe a vida de forma brutal e cruel”.
DANOS MORAIS
Na ação por danos morais, o filho da vítima relata que Erlaine Gonçalves morreu aos 26 anos de idade, no dia 14 de junho de 2009, em razão de homicídio passional, cometido pelo agressor contra sua mãe e o namorado dela. Argumenta que o homicídio aconteceu em razão de omissão específica do Estado em prestar segurança à falecida, que desde 2 de junho daquele ano tinha obtido decisão favorável de medida protetiva, com base na Lei nº. 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), em razão de estar correndo perigo.
A defesa do menor de idade sustenta que o Estado falhou na proteção da falecida, pois o agressor não só manteve contato com ela, mas invadiu sua residência e lhe desferiu disparos de arma de fogo, ocasionando sua morte. Dessa forma, exigiu que Estado fosse responsabilizado por essa omissão específica.
Em sua decisão, o juiz Agamenon Alcântara concordou que houve uma conduta estatal, pois em suas palavras, “infere-se, dos autos, que o Estado teve uma conduta ilícita. Como se conclui, a mãe do Requerente assassinada, havia obtido, no dia 02.06.2009, uma medida protetiva em desfavor do ofensor, que posteriormente veio a ser condenado pelo seu homicídio, bem como do seu namorado, Danilo Alexandrino de Souza”.
O juiz ressaltou que na decisão que deferiu a medida protetiva, a magistrada assegurou o disposto no § 3º do art. 22, da Lei Maria da Penha, isto é, o auxílio da força policial, se necessário. Sabe-se que é dever do Estado zelar pela integridade física e moral de todas as pessoas, inclusive das mulheres vítimas de violência e que se encontram sobre sua proteção”, escreveu Agamenon Alcântara citando jurisprudências de cortes superiores e deixando claro que os tribunais estaduais também têm reconhecido a possibilidade de responsabilização do Estado em caso de omissão específica.
“Entendo que a omissão do Estado se deu de forma específica e configura ato ilícito, causador de dano, que deve ensejar a sua responsabilização. Conforme já exposto, os documentos carreados aos autos demonstram que a mãe do requente havia buscado o Estado a fim de obter proteção, tendo sido concedida a mesma na forma de medida protetiva. Em que pese tal medida, após 12 (doze) dias, a mesma foi assassinada justamente pela pessoa violenta que a fez buscar o sistema de justiça”.
Ainda de acordo com o magistrado, autor passou por situação grave, qual seja, a morte de sua mãe, de forma violenta, quando ainda em tenra idade, situação que causa, sem dúvida, grande tristeza, dor, angústia, sofrimento e impacto não só no momento, para toda a sua vida, pois terá que levá-la sem a presença e a proteção de sua genitora. “Não se trata de uma situação cotidiana, um mero aborrecimento, mas uma situação de lesão aos seus bens extra-patrimoniais mais sensíveis de pessoa vulnerável. Assim sendo, entendo ser procedente o pedido de dano moral”.
Em outra parte da sentença o juiz afirmou que “independente de produção de prova acerca da dependência, entendo ser cabível, também a indenização a título de danos materiais, na forma de pensão mensal. Dessa forma, entendo ser cabível a fixação de pensão mensal ao requerente no valor de um salário-mínimo, desde o evento danoso até a sua maioridade”.
OUTRO PROCESSO
Outro processo com o mesmo teor, movido em nome do outro filho da vítima continua tramitando na 1ª Vara Especializada da Fazenda Pública de Cuiabá e está prestes a receber uma decisão. O Estado chegou a pedir que os processos fossem juntados para serem julgados de forma conjunta, mas o juiz Agamenon Alcântara negou esse pedido destacando que é um direito dos autores ingressarem com ações separadas, mesmo sendo relativas ao mesmo fato.
“A opção de ingressar com uma ação única ou duas ações separadas é opção dos autores, que não viola as normas processuais que regem a matéria, não havendo razão para reunião dos processos, visto que, se porventura houver decisões diferentes, este é um ônus das partes, especialmente dos autores. Dessa forma, indefiro o petitório do Estado e mantenho estes autos neste Juízo, para os quais foram distribuídos por sorteio”, escreveu o magistrado.
Fonte: Folha Max